terça-feira, 23 de junho de 2009

Hoje

Hoje acordei irritada.
Com o ventre rachado.

Sem conseguir da vazão,
para o tal do rio-ação.

De que serve esse sol, que beija meu rosto
mas não me diz nada?

Represada, de saco cheio
e sem saber para onde ir.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Ha-ha-ha

"Sigam-me os bons!" - Chico Xavier
"Falar é fácil, fazer é difícil" - Alejadinho

Ofuscamento

êita que faz tempo que num apareço por aqui,
que não me grudo, me estatelo, nua, nesta tela em branco.

Mas ontem eu tava sofrendo dessas imaginação.
Imaginá que um sentimento tão puro e supremo tenha possibilidade de realização por essas bandas, é bobagem.

E eu, pra variá, fui boba dimais.
E que sentimento é em relação à essa minha gente, minha tão imperfeita gente?
É compaixão, das mais delicadas e pungentes.

No terreiro

E o passarinho, agora, morreu
Tentou-se remediar
Mas do sopro de seu canto, do fresco sopro do seu canto,
restou somente a essência.
A faísca da lembrança
A menina ficou triste


Outros virão cantar em seu terreiro?
Com os pés descalços ela observa
E sente a palpitação que é participar do mistério da vida.

do sonho

Sonhei que pisava em cacos de vidro.
Talvez eu estivesse indo em direção ao "Tadasu-No-Mori", aquele bosque onde as mentiras se revelam. Tentei resistir.
Mas já não havia voltas.

Objeto semi-identificado

-Diga lá.
- Digo eu.
- Diga você.

-E línguas como que de fogo tornaram-se invisíveis. E se distribuíram e sobre cada um deles assentou-se uma. E todos eles ficaram cheios de espírito santo e principiaram a falar em línguas diferentes.

- Eu gosto mesmo é de comer com coentro. Uma moqueca, uma salada, cultura, feijoada, lucidez, loucura. Eu gosto mesmo é de ficar por dentro, como eu estive na barriga de Claudina, uma velha baiana cem por cento.
- Tudo é número. O amor é o conhecimento do número e nada é infinito. Ou seja: será que ele cabe aqui no espaço beijo da fome? Não. Ele é o que existe, mais o que falta.
- O invasor me contou todos os lances de todos os lugares onde andou. Com um sorriso nos lábios ele disse: "A eternidade é a mulher do homem. Portanto, a eternidade é seu amor".Compre, olhe, vire, mexa. Talvez no embrulho você ache o que precisa. Pare, ouça, ande, veja. Não custa nada. Só lhe custa a vida.
- Entre a palavra e o ato, desce a sombra. O objeto identificado, o encoberto, o disco-voador, a semente astral.- A cultura, a civilização só me interessam enquanto sirvam de alimento, enquanto sarro, prato suculento, dica, pala, informação.
- A loucura, os óculos, a pasta de dentes, a diferença entre o 3 e o 7. Eu crio.A morte, o casamento do feitiço com o feiticeiro. A morte é a única liberdade, a única herança deixada pelo Deus desconhecido, o encoberto, o objeto semi-identificado, o desobjeto, o Deus-objeto.
- O número 8 é o infinito, o infinito em pé, o infinito vivo, como a minha consciência agora.
- Cada diferença abolida pelo sangue que escorre das folhas da árvore da morte. Eu sou quem descria o mundo a cada nova descoberta. Ou apenas este espetáculo é mais um capítulo da novela "Deus e o Diabo etc. etc. etc."
- O número 8 dividido é o infinito pela metade. O meu objetivo agora é o meu infinito. Ou seja: a metade do infinito, da qual metade sou eu, e outra metade é o além de mim.

Gilberto Gil

Cisco

Os sentimentos permanecem
Recusam etiquetas, tentativas de apuração de seu peso,
consistência e dimensão.
Não se encaixam nos compartimentos oferecidos pelas palavras.
Prezam pela liberdade.
As palavras saem
sem criançamento de palavra

é isso,
e eu queria "crescer pra passarinho".

Salve o Rosa

"Que era: que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente; o que isso é falta de soberania, é farta bobice, e fato é."

"Quem sabe direito o que uma pessoa é? Antes sendo: o julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga já é passado"

Riobaldo.

"Essa gente"

Ouvir gentetão comum, tão simples, tão próxima...tão gente...me suplementa.
Faz-me sentir humana numa realidade de máquinas. Faz-me olhar com os olhos da alma e vivenciar um encantamento que se esvai a cada segundo pelos ares desse mundão.
São histórias, estórias, causos. Constituintes do que são e do que vejo.
Subcamadas do ser, provas do existir, repousando nos recônditos de rostos banais.

da escrita

São curtos os meus escritos,
são bem curtos os meus escritos.
Mas como um suspiro nos dias agitados,
num único ímpeto de folêgo,
acomoda-se minha alma
nesta vestimenta apertada.

Beira mar

E eu, que não sei quase nada do mar,navego.
Me derramo inteiramente,
deixando de ser para ser.
Já não há limites.

"Agora que o corpo todo está molhado e dos cabelos escorrem água, agora o frio se transforma em frígido. Avançando, ela abre as águas do mundo pelo meio. Já não precisa de coragem, agora já é antiga no ritual retomado que abandonara há milênios. Abaixa a cabeça dentro do brilho do mar, e retira numa cabeleira que sai escorrendo toda sobre os olhos salgados que ardem.Brinca com a mão na água, pausada os cabelos ao sol quase mediatamente já estão endurecendo de sal. Com a concha das mãos e com a altivez dos que nunca darão explicação, nem a eles mesmo: com a concha das mãos cheias de água, bebe-a em goles grandes, bons para a saúde do corpo.E era isso o que estava lhe faltando, o mar por dentro como o líquido espesso de um homem. Agora ela está toda igual a si mesma (...).
Mergulha de novo, de novo bebe mais água, agora sem sofreguidão pois já conhece e já tem um ritmo de vida no mar. Ela é a amante que não teme pois sabe que terá tudo de novo"
C.Lispector